Polêmica Republicana – a Ordem e o Progresso na Bandeira Nacional

 

Por Que o Novo Governo Republicano Trocou o Nome de Ruas, Praças, Escolas e Repartições Públicas? Por Que o Hino e a Bandeira Nacional Consumiram Longas Horas de Discussões? Qual Foi a Polêmica Envolvendo a Divisa Ordem e Progresso na Bandeira Brasileira?

 

Uma das primeiras providências do novo regime – republicano – foi redesenhar parte da geografia brasileira, pois estradas, ruas, praças, escolas, repartições públicas e até cidades tiveram seus nomes alterados para homenagear os republicanos. Estátuas, obeliscos, chafarizes e outros monumentos foram construídos para celebrar o acontecimento e, só no Rio de Janeiro, quarenta e seis logradouros mudaram de nome. A Praça D. Pedro II, o Largo da Imperatriz e a Rua da Princesa se tornaram respectivamente a Praça do Marechal Deodoro, a Praça Quintino Bocaiúva e a Rua Rui Barbosa.

Iniciativas semelhantes foram adotadas nas cidades que, ainda hoje, exibem os nomes de republicanos como Floriano Peixoto, Silva Jardim e Benjamin Constant. Existem casos curiosos como o da principal via de Petrópolis (Rua do Imperador, até 1889), a qual teve seu nome alterado para Avenida Quinze de Novembro, mas voltou a se chamar do Imperador 90 anos mais tarde por decisão da Câmara Municipal. O objetivo não era apenas exaltar a República, mas eliminar o mais rapidamente da paisagem os vestígios da Monarquia.

 

Um decreto do novo governo suprimiu a denominação “Imperial” de vários estabelecimentos ligados ao Ministério do Interior. Desse modo, o Imperial Colégio Pedro II – fundado em 1837 – passou a chamar-se Instituto Nacional de Instrução Secundária e, somente em 1911, voltou a ter sua designação original. Na correspondência oficial adotou-se o tratamento de “Cidadão” em lugar do mais cerimonioso “Vossa Excelência” dos tempos do Império.

 

Ao mudar o protocolo oficial, erguer monumentos, criar datas e rebatizar ruas, praças e instituições com os nomes dos novos heróis nacionais, na verdade o regime procurava conquistar corações dos brasileiros até então arredios. No fundo, buscava-se dar uma nova identidade ao país, descolada de seu passado monárquico, projeto que acabaria por alterar o próprio ensino de história no Brasil e teria grande impacto nos livros didáticos, no jornalismo, na literatura, no teatro, na pintura e em outras formas de arte.

Um caso interessante envolve a figura de Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes). Até a Proclamação da República, o mártir da Inconfidência Mineira ocupava um papel secundário na galeria dos heróis nacionais. Embora fosse um precursor da Independência, esse papel o colocava na condição de concorrente de um herói mais ao gosto da Monarquia, o Imperador Pedro I – protagonista do Grito do Ipiranga em 1822.  Além disso, participara de uma conspiração republicana contra a Monarquia portuguesa, da qual o Império brasileiro havia herdado suas raízes. Sua sentença de morte na forca em 1792, foi assinada pelo bisavô do Imperador Pedro II, a Rainha Dona Maria I, também conhecida como a “Rainha Louca”.

Por essas razões, Tiradentes havia passado quase um século em relativa obscuridade na história oficial brasileira e ninguém no Brasil Imperial tinha muito interesse em promove-lo a símbolo das aspirações nacionais. A partir de 1889, ele renasceu das cinzas na condição de herói republicano. Nos anos seguintes, sua imagem seria usada de forma habilidosa para promover o novo regime.

 

Símbolos máximos do novo regime, o Hino e a Bandeira nacional consumiram longas horas de discussões. O antigo Hino nacional era considerado monárquico e decadente pelos republicanos e sua letra estava em desuso há tempos. Por essa razão, até 1889 os adversários da Monarquia costumavam cantar em passeatas e reuniões a Marselhesa, celebrizada pela Revolução Francesa. Tão polêmicas quanto a decisão sobre o Hino nacional foram as discussões envolvendo a nova bandeira republicana, estabelecida por decreto em 19 de novembro de 1889.

Idealizado pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, o estandarte da época do Império tinha o fundo verde sobreposto por um losango amarelo, no centro do qual apareciam o brasão e a coroa Imperial emoldurados por ramos de café e tabaco. Na tarde de 15 de novembro de 1889, como ainda não havia uma bandeira nacional republicana, vereadores e intelectuais utilizaram o símbolo do Clube Republicano Lopes Trovão na improvisada cerimônia de proclamação. Era uma imitação da bandeira dos Estados Unidos com cores diferentes.

 

Essas referências aos Estados Unidos desagradavam a parte dos militares mais nacionalistas e, em especial, os adeptos do Apostolado Positivista os quais afirmavam que o Brasil deveria adotar sua própria bandeira. Encomendaram uma ao pintor Décio Villares, o que foi imediatamente aceito pelo Marechal Deodoro por sugestão de Benjamin Constant. Nela, mantinham-se o desenho e as cores originais, substituindo-se apenas a coroa por um círculo azul com as estrelas que representariam o céu do Rio de Janeiro na manhã de 15 de novembro de 1889.

A nova bandeira provocou grande controvérsia por duas razões: _ a primeira foi a posição das estrelas, pois um especialista explicou que a dimensão do Cruzeiro do Sul estava exagerada e o eixo da constelação – em relação ao Polo Sul – invertido. Alguns críticos diziam, sarcasticamente, que tendo derrubado a Monarquia, o governo provisório queria levar a revolução também aos céus e mudar a astronomia. O erro foi comprovado mais tarde, resultando em novas versões da bandeira, utilizada até hoje.

 

Uma 2ª polêmica envolveu a divisa “Ordem e Progresso”, colocada no centro da esfera azul. O Bispo do Rio de Janeiro se recusou a abençoar a nova bandeira alegando que ela continha apologia de uma seita divergente da religião católica. De fato, a expressão resumia a doutrina do francês Auguste Comte e adotada como lema pelos fiéis da Igreja Positivista. Apesar de forte oposição, a divisa foi mantida na bandeira graças ao apoio de Benjamin Constant. No entanto, do lema original eliminou-se o amor, preferindo-se reforçar a ideia de ordem e progresso, conceitos que os republicanos julgavam mais urgentes. Porém, a despeito da ênfase na bandeira, os primeiros passos da República seriam de pouca ordem, minguado progresso e, definitivamente, nenhum amor.

 

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