O Golpe da República no Brasil

Qual Era o Estado de Saúde do Marechal Deodoro no Dia da Proclamação da República? Por Que Deodoro Não Estava Convencido de Proclamar a República? Qual Era a Posição de Benjamin Constant? Por Que o Visconde de Ouro Preto se Transferiu do Arsenal da Marinha Para o Quartel General do Exército?

 

Proclamação (6)

Na manhã de 7 de novembro de 1889, o advogado Francisco Glicério de Cerqueira Leite recebeu um telegrama com a seguinte mensagem: _ “Venha já”. O remetente era Manuel Ferraz de Campos Salles, deputado por São Paulo e futuro presidente da República. Glicério sabia o significado do telegrama, pois naqueles dias os republicanos paulistas estavam alvoroçados com as notícias do Rio de Janeiro.

As informações mais preocupantes tinham chegado na véspera e, seu portador, era o jornalista José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, futuro autos da letra do Hino da República. Medeiros e Albuquerque foi despachado para São Paulo pelo também jornalista Aristides da Silveira Lobo, com a missão de avisar as lideranças locais que uma revolução estouraria na capital a qualquer momento.

Ainda com o telegrama na mão, Glicério recorreu ao telefone – novidade tecnológica recém-chegada ao Brasil e já disponível em Campinas – e pediu à mulher que lhe preparasse uma bagagem para oito dias, embora não tenha lhe contado seu destino.

O advogado chegou a São Paulo ao cair da tarde e imediatamente se reuniu com Campos Salles e outro chefe republicano, o mineiro Bernardino José de Campos Jr. Os três – ligados à maçonaria – passaram a noite preparando um código secreto de comunicações a ser usado por Glicério quando chegasse ao Rio de Janeiro. Na manhã seguinte Glicério rumou de trem para a capital do Império, onde uma semana mais tarde participaria de um dos acontecimentos mais decisivos da história brasileira – a queda do Império e a Proclamação da República.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Glicério percebeu toda a dimensão dos acontecimentos, pois a conjuração estava em todo lado. Conspirava-se nas casas, nas escolas, nas redações dos jornais, nas confeitarias da Rua do Ouvidor, nas praças públicas, nos teatros e principalmente nos quartéis. O clima entre os militares era de rebelião contra o governo e tramava-se a derrubada do ministério, liderado pelo Visconde de Ouro Preto – apontado como hostil às Forças Armadas – e uma parte dos oficiais queria a troca da Monarquia pela República.

Três dias antes da chegada de Glicério à capital, um grupo de militares se reuniu na casa do Tenente-Coronel Benjamin Constant – professor da Escola Militar da Praia Vermelha – com o objetivo de preparar a revolução. Entre eles estavam o Capitão Antônio Adolfo da Fontoura Mena Barreto, os Tenentes Saturnino Cardoso e Sebastião Bandeira, o aluno da Escola de Guerra Aníbal Elói Cardoso e o Alferes Joaquim Inácio Batista Cardoso.

Combinou-se um plano onde os participantes se encarregariam de agitar os ânimos nos quartéis, estocar armamentos, munições e traçar detalhes do golpe nos dias seguintes. A certa altura, Benjamin Constant mostrou-se preocupado com o destino de D. Pedro II e perguntou aos demais o que fazer com o Imperador. “Exila-se” – propôs o Alferes Joaquim Inácio. “Mas, e se ele resistir? ” – Insistiu Benjamin Constant. “Fuzila-se” – sentenciou Joaquim Inácio Batista Cardoso.

Por uma ironia da história, o “sanguinário” Joaquim Inácio Cardoso, viria a ser o avô de um futuro Presidente da República – Fernando Henrique Cardoso. Para a sorte de D. Pedro II, no dia 15 de novembro haveria de prevalecer a posição de Benjamin Constant e, em vez de ser fuzilado, o Imperador seria despachado para o exílio.

Entre os republicanos civis a agitação também era grande e, artigos em jornais assinados por Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva, pregavam abertamente a República. Alguns incitavam os militares contra o governo imperial – como era o caso dos textos de Júlio Prates de Castilhos – mas raros eram os civis que conheciam a real movimentação nos quartéis.

Dois dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, Francisco Glicério foi levado por Aristides Lobo à presença do Marechal Deodoro da Fonseca, em reunião da qual também participaram Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Benjamin Constant, o Major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro e dois oficiais da marinha: _ o Capitão de Fragata Frederico Guilherme Lorena e o Almirante Eduardo Wandenkolk. Aos 62 anos, herói da Guerra do Paraguai, Deodoro era depositário de todas as esperanças dos conspiradores republicanos.

O problema é que, àquela altura, o Marechal estava gravemente enfermo, pois ele passava o tempo todo na sua cama e temia-se que ele morresse a qualquer momento. Atirado sobre o sofá, o Marechal sequer reunia condições para vestir sua farda e mal conseguia falar.

O quadro era tão desalentador que, pelos cálculos de Glicério, Deodoro não sobreviveria mais do que algumas semanas. E, nesse caso, as chances de sucesso seriam mínimas. Além de muito doente, o Marechal relutava em assumir a liderança do movimento contra o governo imperial. Menos animado ainda estava em relação à hipóteses de proclamar a República.

Por essas razões, o encontro de 11 de novembro foi tenso. Benjamin Constant afirmou que não bastava derrubar o ministério sem trocar o regime e, quando acabou de falar, fez-se um profundo silêncio à espera da reação de Deodoro. Após recuperar o fôlego abatido por uma crise de dispneia, ele começou a falar pausadamente: _ “Benjamin, o velho já não regula, porque se ele regulasse, não haveria esta perseguição contra o Exército. Portanto, já não há outro remédio, leve à breca a Monarquia! ” – disse Deodoro da Fonseca.

Até aquele momento não se tinha certeza sobre a data da revolta, pois nas reuniões na casa de Deodoro e Benjamin os conspiradores tinham duas possibilidades. A primeira – mais provável – seria na tarde de 16 de novembro, um sábado, quando todos os ministros estariam reunidos com o Visconde de Ouro Preto. A segunda era 20 de novembro, pois nesse dia os deputados e senadores se reuniriam no Rio de Janeiro.

A abertura da sessão legislativa contaria com a presença do Imperador, membros da sua família e todo o ministério. Em qualquer das hipóteses, os militares cercariam o prédio, prenderiam os ministros, destituiriam o governo e anunciariam a mudança do regime.

Tudo parecia se encaminhar para o combinado, mas a saúde de Deodoro só piorava e na tarde de 14 de novembro Glicério e Aristides Lobo caminhavam pelo centro do Rio, quando viram Benjamin Constant: _ “Venho da casa de Deodoro” – disse o Tenente-Coronel – “Creio que ele não amanheça e, se ele morrer, a revolução estará gorada”. Nas horas seguintes os acontecimentos se precipitaram a tal velocidade que fugiram ao controle dos revolucionários.

Proclamação (7)

Enquanto Glicério e Aristides se encontravam com Benjamin, um boato se espalhava pelo centro do Rio, dando conta que o governo tinha ordenado a prisão de Deodoro. Falava-se que o Visconde de Ouro Preto planejava dissolver o Exército e substituí-lo pela Guarda Nacional – supostamente fiel à Monarquia. Os rumores eram plantados de forma proposital na Rua do Ouvidor – definida por Anfrisio Fialho como o “coração e os ouvidos do Rio de Janeiro” – cujo objetivo era acirrar os ânimos contra o governo. Rapidamente o boato chegou aos quartéis e colocou em andamento a máquina da revolução.

Ao cair da tarde, o ministro da Guerra – o Visconde de Maracaju – recebeu do Marechal Floriano Peixoto o seguinte bilhete: “A esta hora V. Exa. Já deve ter conhecimento de tramam algo por aí. Não dê importância, confie na lealdade dos chefes que já estão alertas”. Era um jogo de “faz de conta”, o qual transformaria Floriano Peixoto na figura mais enigmática da história da Proclamação, pois cabia a ele ser fiel ao Imperador e seguir as ordens do Visconde de Ouro Preto.

Porém, as informações atuais comprovam que Floriano Peixoto àquela altura já estava envolvido com os republicanos e, o seu bilhete ao Ministro da Guerra, era só uma tentativa de dar às autoridades uma ilusória sensação de segurança. Horas antes de enviar o bilhete, Floriano Peixoto teve um encontro com Deodoro – seu conterrâneo de Alagoas – no qual se planejou o golpe. O Marechal explicou a Floriano que todas as possibilidades de negociação com o governo imperial estavam esgotadas.

Alertado sobre o bilhete de Floriano, o Visconde de Ouro Preto ordenou ao chefe de polícia a descobrir a verdade e, por volta de 11 da noite, o ministro teve a confirmação de seus temores: _ a 2ª Brigada do Exército (aquartelada em São Cristóvão) marchava para o Campo de Santana e, igualmente rebelados, estavam o 1º e o 9º Regimentos de Cavalaria e o 2º Regimento de Artilharia.

Por volta das 3 da manhã, Ouro Preto se transferiu para o Arsenal da Marinha na Ilha das Cobras – sede do Comando Naval brasileiro – e, por precaução, despachou um telegrama ao Imperador (que se encontrava em Petrópolis), dando conta da revolta militar. O tom da mensagem dava a entender que o ministro ainda tinha total controle da situação.

O Imperador só recebeu esse telegrama pela manhã, quando aparentemente já era tarde para reagir. Às vésperas de completar 64 anos, velho e cansado, Dom Pedro II sofria de diabetes e, naquela noite, estava tão debilitado quanto o Marechal Deodoro. Por isso, ele havia se recolhido mais cedo.

Ao alvorecer de 15 de novembro, o Visconde de Ouro Preto tomou uma decisão da qual haveria de se arrepender pelo resto de sua vida, pois ele se transferiu do Arsenal da Marinha para o Quartel-General do Exército, no Campo de Santana. Aí era exatamente o ponto de convergência das tropas rebeladas.

Se tivesse permanecido no Arsenal, o Ministro estaria mais bem protegido do que no Quartel do Exército. Até aquele momento, a Marinha se mostrava mais fiel ao governo imperial do que o Exército. Isolada do continente por um pequeno trecho de mar, a Ilha das Cobras (sede do Comando Naval) imporia obstáculos à chegada dos revoltosos e poderia oferecer fuga pela baía de Guanabara. Ou seja, na hora mais crítica, o Visconde de Ouro Preto mudou-se para dentro da “cova dos leões”.

Ao chegar ao Quartel-General do Exército, Ouro Preto foi recebido com informações cada vez mais inquietantes, pois várias guarnições militares marchavam em direção ao Campo de Santana. Nenhum obstáculo ou cordão de isolamento, nada havia sido mobilizado para proteger o Ministério. No pátio interno do quartel e na praça em frente, um número reduzido de soldados se mantinha em atitude de completa indiferença.

Proclamação (8)

A notícia da movimentação das tropas pegou de surpresa também as lideranças republicanas, entre elas o próprio Benjamin Constant que dormia tranquilamente quando foi acordado às 3 horas da madrugada. Ao se dar conta de que a revolução havia se precipitado, despachou o tenente Pena a fim de avisar os civis Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo e os comandantes Eduardo Wandenkolk e Frederico Lorena, da Marinha.

À paisana, seguiu de carro com Lauro Müller ao encontro de Deodoro e encontrou o Marechal de cama, com mais uma crise de dispneia. Deodoro prometeu que, assim que melhorasse, um pouco iria se juntar às forças rebeldes. No entanto, Benjamin Constant julgou que isso não aconteceria e rumou ao encontro das tropas no quartel de São Cristóvão, sendo recebido com vivas pelos militares. Em seguida trocou as roupas civis pela farda e se posicionou no meio dos soldados que se dirigiam para o Campo de Santana.

O historiador Celso Castro afirma que na manhã de 15 de novembro “a grande maioria dos soldados que integravam as tropas golpistas não estava consciente de que se pretendia derrubar a Monarquia” e, segundo ele, nem mesmo alguns oficiais o estavam. Eram participantes involuntários do drama, levados por seus superiores dos quartéis para o Campo de Santana.

Por essa razão, vários desses militares se arrependeriam do papel desempenhado por eles naquele dia e, pouco mais de um mês após a Proclamação da República, estourou uma rebelião no Segundo Regimento de Artilharia – justamente uma das unidades participantes do golpe. Os soldados queriam a restauração da Monarquia e a volta de Dom Pedro II ao Brasil. Claro que foram todos punidos.

O dia 15 de novembro estava amanhecendo quando o Marechal Deodoro conseguiu uma trégua na crise de dispneia. Fraco e cambaleante ele vestiu a farda, pediu que colocassem o selim de sua montaria dentro de um saco e tomou uma charrete acompanhado do alferes Augusto Cincinato de Araújo – seu primo – para ir se encontrar com as tropas. Na Rua Senador Eusébio, na altura do Gasômetro, ele viu as forças sublevadas que vinham na direção contrária comandadas pelo Tenente-Coronel João Batista da Silva Teles, tendo ao lado Benjamin Constant.

Ao chegar próximo do Campo de Santana o Marechal pediu para montar a cavalo e, por precaução, o alferes cedeu-lhe o cavalo baio número 6, considerado o menos fogoso da tropa. Para surpresa geral um Deodoro transfigurado surgiu diante dos soldados e, com voz firme e decidida, começou a disparar ordens e a organizar as tropas. Em nada lembrava o ancião agonizante que Benjamin Constant e o Capitão Lorena encontraram de cama no dia anterior.

Ao seu comando 600 homens armados com espadas, fuzis e 16 canhões se postaram em frente ao quartel. Era um número pequeno comparado aos homens encarregados de proteger o edifício. As forças supostamente leais ao Império eram constituídas por soldados do próprio Exército, marinheiros, bombeiros e policiais militares sob o comando do General José de Almeida Barreto.

Entretanto, sem que o governo soubesse o General José Barreto também estava comprometido com os revolucionários e, por isso mesmo, ao observar de longe a formação das tropas diante do quartel, Deodoro chamou um oficial e determinou que levasse ao General a ordem para mudar de posição e colocar-se ao seu lado. A ordem foi cumprida imediatamente pelo General Barreto que, ao reposicionar suas tropas sob o comando de Deodoro, deixou exposta sua adesão ao golpe republicano e a total fragilidade do governo diante das circunstâncias.

Em seguida começaram a aparecer os civis como o jornalista Quintino Bocaiúva, o qual montava um cavalo emprestado. Uma ausência notada foi a do advogado Silva Jardim, que não foi avisado da movimentação das tropas e perdeu a chance de testemunhar o momento mais crucial da Proclamação da República.

Proclamação (3)

No momento em que Deodoro cercava o quartel do Exército, o Visconde de Ouro Preto disparava ordens para que providências imediatas fossem tomadas, mas ninguém parecia lhe dar ouvidos. Ao seu lado, Floriano Peixoto mantinha atitude de total serenidade como se desconhecesse a gravidade da situação e, em determinado momento, avisou Ouro Preto que Deodoro havia lhe pedido uma “conferência”: _ “Conferência? Mande V. Exa. intimá-lo a que se retire e empregue a força para fazer cumprir essa ordem”.

Em vez de seguir a ordem de Ouro Preto, Floriano foi até a varanda, desceu as escadas, montou seu cavalo e desfilou diante das forças dentro do pátio, mas sem tomar nenhuma atitude para deter os revoltosos. Nesse momento apareceu numa rua lateral o carro do Ministro da Marinha (José da Costa Azevedo, o Barão de Ladário) que vinha se juntar ao ministério reunido no interior do edifício.

Deodoro mandou prendê-lo e, em vez de se render, Ladário sacou uma pistola e disparou em direção ao oficial que revidou de imediato, mas ambos acabaram errando o alvo. Ladário sacou uma outra pistola e deu um segundo tiro, errando novamente. Mas, dessa vez foi alvejado por quatro disparos que o atingiram em várias partes do corpo. Deodoro disse: _ “Não matem esse homem”.

Na sala dos ministros Ouro Preto ainda disparava ordens a seus comandados a fim de que eles tomassem a artilharia externa à base de baionetas. Alguém respondeu ser impossível e o Visconde imediatamente reportou que, no Paraguai, nossos soldados se apoderaram de artilharia bem mais poderosa do que aquela ao redor do quartel. Floriano Peixoto, que voltava lá de baixo, encerrou o diálogo com a seguinte frase: _ “Sim, mas lá tínhamos pela frente inimigos, e aqui somos todos brasileiros”.

Finalmente Ouro Preto entendeu que estava sozinho e resistir seria inútil. Diante disso, redigiu seu último telegrama a Dom Pedro II – que estava em Petrópolis – no qual selava de vez a sorte da Monarquia no Brasil. O Imperador recebeu o telegrama às 11 da manhã e, ao se dar conta da gravidade da situação, ele decidiu retornar ao Rio em um trem especial que o levaria ao centro da cidade.

A decisão de Dom Pedro II é até hoje motivo de controvérsia e, uma hipótese muito discutida pelos monarquistas, foi que o Imperador poderia ter permanecido em Petrópolis. Dali ele teria condições de recuar para Minas Gerais e tentar organizar a resistência ao golpe. Essa hipótese foi sugerida pelo Conde d’Eu (marido da Princesa Isabel) no próprio dia 15 de novembro. Só não foi considerada por causa da comunicação, pois naquele momento Dom Pedro já estava no trem. E, enquanto o monarca descia a serra, no Ministério da Guerra o clima era de confraternização entre os vitoriosos.

Às 9 da manhã Deodoro aproximou-se do quartel e determinou que o portão fosse aberto e, em seguida, mandou que o Tenente-Coronel Teles intimasse o ministério a se render e, nesse instante, ouviu-se um grande clamor no edifício. Era Deodoro que, sem esperar pela resposta subiu ao salão onde estavam os ministros. Quando sua figura imponente, de barba cerrada e olhos penetrantes transpôs o umbral da porta, fez-se um profundo silêncio, pois todos os presentes pareciam compreender a importância daquele momento.

Deodoro fez um discurso de queixas, explicando que assumira a liderança do movimento para vingar as injustiças contra os militares. Afirmou que estava doente, mas aceitou assumir o compromisso das tropas porque não era de recuar diante do perigo. Lembrou os serviços prestados na Guerra do Paraguai, na qual passou 3 noites e 3 dias combatendo o inimigo dentro de um pântano – “sacrifício que Vossa Excelência não pode avaliar”, disse dirigindo-se ao Visconde. Avisou que todo o ministério estava demitido e que um novo governo seria organizado de acordo com uma lista de nomes que ele levaria ao Imperador.

Esse detalhe indica que, até aquele momento, Deodoro ainda não estava muito convencido de proclamar a República. Se tivesse depondo a Monarquia e não apenas o gabinete, por que ele levaria uma lista de ministros à aprovação do Imperador? É um enigma que até hoje desafia os estudiosos.

Cada lado se encarregou de espalhar versões contraditórias, conforme seus interesses. O alferes – e mais tarde Marechal – Cândido Rondon, que estava ao lado de Deodoro naquele momento, contou tê-lo ouvido gritar um “viva” ao Imperador – saudação habitual daquela época. Sabe-se hoje que, em nenhum momento, Deodoro deu vivas à República que nas horas seguintes se imporia como um fato consumado diante da incapacidade do Império em resistir à própria implosão. Ao encerrar seu discurso, Deodoro afirmou que todos os ministros poderiam ir para suas casas, com exceção do Visconde de Ouro Preto e do conselheiro Cândido de Oliveira – ministro da Justiça – que ficaram presos.

O clima entre civis e militares revoltosos era de euforia, com apenas um senão: _ faltava proclamar a República, pois Deodoro ainda não anunciara a mudança de regime. Ainda no Quartel-General, numa tentativa de forçar uma definição do Marechal, Quintino Bocaiuva deu instruções a Sampaio Ferraz (promotor público) para que fizesse um pronunciamento a favor da República diante das tropas.

Mas, ao ouvi-lo, Deodoro determinou que se calasse e, mais tarde, quando caminhava ao seu lado na Rua do Ouvidor, Benjamin Constant encontrou-se com Aníbal Falcão e alertou-o: _ “Agitem o povo, pois a República ainda não está proclamada”. Aníbal correu para a redação do jornal “Cidade do Rio” – de propriedade do abolicionista José do Patrocínio – e ali redigiu às pressas a única proclamação formal da República ouvida naquele dia.

A moção era endereçada aos “Senhores representantes do Exército e da Armada Nacional”, anunciando que “o povo, reunido em massa na Câmara Municipal, fez proclamar na forma da lei ainda vigente, pelo vereador mais moço (o próprio Patrocínio, com 36 anos), após a gloriosa revolução que ipso facto aboliu a Monarquia no Brasil”.

Vereador e líder abolicionista negro nascido em Campos de Goytacazes e filho bastardo de um padre com uma escrava, José do Patrocínio era uma figura controvertido, pois até as vésperas de 15 de novembro declarava-se um súdito fiel da Princesa Isabel. Entusiasmado com a abolição, Patrocínio também ajudou a criar uma “guarda negra”, composta de escravos libertados com o objetivo de defender os direitos da Princesa e assegurar o Terceiro Reinado, após a morte do Imperador Dom Pedro II. Porém, essas convicções monarquistas desaparecerem na tarde de 15 de novembro quando ele decidiu assumir a glória que Deodoro parecia recusar. Seria ele um dos muitos republicanos de última hora que o Brasil haveria de reconhecer naqueles dias tumultuados.

A improvisada cerimônia da Proclamação aconteceu por volta das 6 horas da tarde e, na falta de símbolos genuinamente brasileiros, foi preciso improvisar. Daí cantou-se a “Marselhesa” – hino nacional da França – e hasteou-se uma bandeira cujo desenho imitava os traços do estandarte dos Estados Unidos, substituindo-se apenas as cores azul e branco das faixas horizontais pelas cores verde e amarelo. Essa bandeira seria substituída pela atual.

Após a cerimônia na Câmara Municipal os manifestantes se dirigiram à casa de Deodoro e, como o Marechal estava de cama proibido pela mulher de receber visitas, coube a Benjamin Constant atendê-los. Benjamin afirmou que “o governo provisório saberá levar em conta a manifestação da população do Rio de Janeiro” e, por fim, ele anunciou que – no momento certo – a nação seria consultada sobre a troca de regime.

A consulta prometida por Benjamin aconteceria somente 1 século mais tarde: _ em abril de 1993. Ou seja, 103 anos após 15 de novembro de 1889, os brasileiros finalmente foram chamados a decidir em plebiscito nacional se o Brasil deveria ser uma Monarquia ou uma República. E, como todos nós sabemos, venceu a República.

 

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A Controvérsia da Proclamação da República Brasileira

 

Por Que os Brasileiros São Indiferentes à Comemoração da Proclamação da República? Qual Era a Contradição Entre a Corte de Petrópolis e a Situação Social do Brasil? Por Que a Queda da Monarquia é Um Evento Controverso?

Proclamação

 

O dia 15 de Novembro é uma data com pouco prestígio junto à população brasileira e, ao contrário de 7 de Setembro, que é comemorado com desfiles escolares e militares, o feriado da Proclamação da República é uma festa tímida.

Sua popularidade nem se compara à algumas celebrações regionais como a expulsão dos portugueses na Bahia, a Batalha de Jenipapo no Piauí, o início da Revolução Farroupilha (RS) ou a Revolução Constitucionalista em São Paulo.

Personagens republicanos como Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Deodoro da Fonseca ou Floriano Peixoto dão seus nomes à praças e ruas brasileira, embora muitos estudantes nem saibam que são tais personagens.

Ensina-se mais sobre Pedro Álvares Cabral e Tiradentes do que os criadores da República – episódio mais recente, o corrido há pouco mais de um século. E, a julgar pela memória nacional, o Brasil tem uma república mal-amada.

O fenômeno da indiferença coletiva se explica na forma como se processou a troca de regime, pois o dia 15 de novembro de 1889 amanheceu cheio de promessas cujo significado os mais pobres desconheciam. O discurso dos republicanos anunciava o fim da tirania imperial (D. Pedro II) e do sistema de castas e privilégios (herdados da colonização portuguesa), enaltecendo uma prosperidade geral inaugurada pela República na construção de um “futuro glorioso”. Chamados a participar dos destinos nacionais, todos brasileiros teriam – finalmente – vez, voto e voz ([1]).

Porém, havia uma contradição, pois a República não resultou de uma campanha popular e sim de um golpe militar, com rara participação das lideranças civis. E, apesar da propaganda republicana na imprensa, a ideia da mudança de regime político não deslanchava na população.

Na eleição anterior (agosto de 1889), o Partido elegeu apenas 2 deputados e nenhum senador. Seus votos não chagavam a 15%, pior do que obtido 4 anos antes (3 deputados: entre eles os futuros presidentes como Prudente de Moraes e Campos Salles). Os civis encontraram nos militares a força que faltava para a mudança no regime, podendo-se dizer que a República nasceu deslocadas das ruas.

Outra incongruência como a história é contada encontra-se na descrição mais comum dos livros sobre a Proclamação da República, onde a expressão “um passeio militar” tenta descrever a facilidade com que se derrubou o regime. Sem reação popular e sem protestos, parecia confirmar o mito de que as transformações políticas se processaram sempre pacificamente.

No entanto, essa imagem se desfoca quando se avança no calendário, pois a derrubada da Monarquia – o sonho da ampliação das liberdades e dos direitos – rapidamente se dissipou. Em alguns anos, o país vivia a ditadura de Floriano Peixoto (o Marechal de Ferro), a quem ainda hoje se atribui o papel de “salvador da República”.

O sangue que não correu em 1889 verteu profundamente nos 10 anos seguintes, resultado do choque entre as expectativas e a realidade do novo regime. Duas guerras civis – somadas à Revolta Armada – deixariam marcas no imaginário brasileiro.

Proclamação (2)

No Sul, os 2 anos de combate da Revolução Federalista custaram a vida de 10 mil pessoas. Na Bahia, o sacrifício na Vila dos Canudos resultou em 25 mil mortes e humilhação para o Exército, derrotado por jagunços pobres e mal armados (sob a liderança de Antônio Conselheiro).

As feridas abertas nesses conflitos marcaram a 1ª fase republicana, na qual os militares tentaram organizar o novo regime mediante à censura à imprensa, o fechamento do Parlamento e a deportação dos opositores para a Amazônia. A devolução do poder aos civis, com Prudente de Moraes e Campos Salles como, 3º e 4º presidentes, não aproximou o poder das ruas.

Até 1930, a República Velha se caracterizou por uma equação política bastante semelhante à dos últimos anos do Império. No lugar dos barões do café do Vale do Paraíba, encontravam-se fazendeiros do Oeste Paulista e de M. Gerais e, por algum tempo, o número de eleitores diminuiu. Nesta República – conhecida como “Café Com Leite” – não havia lugar para o povo, tanto quanto não havia na dos militares de 1889.

Poucos eventos na história brasileira são tão controversos quanto a queda da Monarquia e, no livro “Da Monarquia à República” (Emília Viotti da Costa – USP), faz-se uma reconstituição da sequência de eventos narrada pelos historiadores nos últimos 124 anos. Segundo ela, esta é uma história marcada pelo conflito entre vencedores e vencidos, entre republicanos e monarquistas e entre militares e civis.

Pela versão dos vencedores, a República teria sido uma aspiração nacional e seu ideário estaria na Inconfidência Mineira, na Revolução Pernambucana de 1817, na própria Independência em 1822, na Confederação do Equador em 1824 e na Revolução Farroupilha de 1835.

Conforme esse ponto de vista, a Monarquia teria sido uma solução temporária, imposta pelas elites em nome da defesa dos seus próprios interesses. Portanto, a República seria uma etapa do processo histórico adiada por circunstâncias de cada momento.

Na versão dos derrotados, o Império teria sido a salvação do Brasil e, sem a Monarquia, o país teria fatalmente se fragmentado – na época da Independência – em 3 ou 4 nações que herdariam apenas raízes coloniais e a língua portuguesa. Ao Imperador caberia apenas o papel de manter o Brasil unido, apaziguar conflitos, tolerar os adversários e converter um território selvagem em um país integrado com as demais nações.

Por essa perspectiva, a Monarquia teria raízes culturais mais profundas do que a República, com força para enfrentar os desafios do futuro caso não tivesse sido abortada por uma traiçoeira quartelada em 15 de novembro de 1889.

Em verdade as duas versões carecem de consistência, pois a Proclamação da República foi mais o resultado do esgotamento da Monarquia do que do vigor dos ideais republicanos. “A República foi o resultado lógico da decomposição do regime monárquico” ([2]). Durante 67 anos, o Império funcionou como um gigante de pede barro, onde os salões imitavam o ambiente de Viena, Versalhes e Madri, mas a moldura real compunha-se de pobreza e ignorância.

Havia uma enorme contradição entre a corte de Petrópolis – que se considerava europeia – e a situação social, na qual mais de 1 milhão de escravos eram propriedade privada. Nesse Brasil destacava-se uma nobreza constituída de fazendeiros donos – ou traficantes – de escravos que sustentava o trono, conferindo-lhes títulos de nobreza.

 

Proclamação (1)

 

Todo esse arcabouço político começou a ruir em 1888 com a Lei Áurea, que abolia a escravidão no Brasil. Os barões do café que dependiam da mão de obra cativa se sentiram traídos pela coroa e, se dependesse deles, a escravidão continuaria por mais alguns anos.

Eles sustentavam que deveriam ser indenizados pela Estado e, como isso nunca aconteceu, a Lei Áurea deu mais combustível à campanha republicana. Dessa forma, muitos antigos senhores de escravos aderiram rapidamente à República.

Republicanos civis e militares foram apenas parte das forças que contribuíram para a queda do Império e a mais forte era composta dos próprios monarquistas, “para os quais o Império perdera o derradeiro encanto” ([3]).

Este vasto e perigoso partido dos derrotados incluía os liberais, os reformadores, os abolicionistas e os federalistas – gente como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa que, até às vésperas do 15 de Novembro, mantinham-se fiéis à Monarquia. Havia também o grupo dos “desgostosos e displicentes” – fazendeiros feridos pela abolição – os quais juntaram forças para dar o empurrão que selaria o destino do Império Brasileiro.

Some-se a tudo isso o descontentamento nos quartéis desde o final da Guerra do Paraguai, pois oficiais e soldados se consideravam injustiçados pelo Império. Daí a conferir carta branca ao Marechal Deodoro da Fonseca para derrubar o trono foi apenas um passo. O sentimento mais generalizado não era o da crença na República, mas sim o de descrença nas instituições monárquicas.

O Império brasileiro caiu inerte, incapaz de mobilizar forças e reagir contra o golpe liderado pelo Marechal Deodoro e, apesar de todas as evidências de uma conspiração em curso, o Imperador Pedro II permanecia em Petrópolis até a tarde de 15 de novembro, ignorando os conselhos para que reagisse. Ao chegar ao Rio de Janeiro perdeu um longo tempo, acreditando que no final tudo voltaria ao normal. “Conheço os brasileiros e isso não vai dar em nada” disse naquele dia.

Somente na madrugada de 16 de novembro, quando o governo provisório republicano já estava anunciado, é que D. Pedro reuniu seus conselheiros e tentou organizar um novo ministério. Já era tarde. Nas províncias, a única reação a favor da Monarquia ocorreu na Bahia liderada pelo Marechal Hermes da Fonseca – comandante de Salvador e irmão de Deodoro.

Ao receber notícias do golpe ele anunciou que permaneceria fiel ao Imperador, mas capitulou horas mais tarde ao saber que o próprio irmão liderava a conjura republicana e que D. Pedro II já estava a caminho do exílio na Europa.

O legado de D. Pedro II ainda permanece envolvido em controvérsias e grande parte dela resulta da mudança de regime, em 1889. D. Pedro II era – naquele momento – a personificação da Monarquia. Turvar sua imagem representava para os republicanos uma forma de legitimar o novo regime. A campanha republicana sempre se esforçou em aponta-lo como discricionário e detentor de um poder pessoal nocivo às instituições.

Para os perdedores monarquistas, o 15 de Novembro representava o fim de um sonho no qual o Imperador era o depositário de grandes esperanças. Alguns historiadores – simpáticos ao antigo regime – criaram a figura do soberano austero, culto, educado, bem-intencionado e dedicado ao interesse público, cuja ação era solapada por ministros corruptos e interesseiros.

Igualmente discutível é o papel desempenhado por Deodoro da Fonseca, um militar idoso cujas forças em 1889 encontravam-se tão esgotadas quanto as do próprio Imperador. Convertido tardiamente às ideias republicanas, Deodoro agiu movido mais pelo ressentimento contra o governo imperial do que por qualquer convicção ideológica. Ele relutou até onde pôde a promover a troca do regime, como exigiam as lideranças civis e os militares liderados pelo tenente-coronel Benjamin Constant.

Ao contrário do que reza a história, em nenhum momento o Marechal proclamou a República ao longo do dia 15 e só o fez tarde da noite, diante da pressão de seus companheiros de armas e da inabilidade política do Imperador que, numa desastrada tentativa de resistência, indicou para a chefia do ministério justamente o maior adversário político de Deodoro da Fonseca, o senador Silveira Martins.

Decorridos mais de um século, que avaliação se poderia fazer hoje da República brasileira? Uma república pode ter muitas faces e, dos 193 países componentes da ONU, 149 se definem como republicanos; ou seja, 77% do total. Difícil é a tarefa de estabelecer o regime que os governa. A Coreia do Norte – por exemplo – é chamada “república democrática popular”. A China se autodenomina igualmente uma “república popular”.

A Inglaterra poderia ser considerada hoje uma democracia republicana e, no entanto, ela prefere ser chamada de monarquia parlamentarista. Brasil, Argentina, Alemanha e Estados Unidos são repúblicas federativas, mas cada qual tem seu próprio sistema eleitoral, diferentes instituições e distintos graus de autonomia para os estados e províncias.

Portanto, a nomenclatura não explica o que é um regime republicano e, para entendê-lo, é preciso estudar as raízes de cada povo e sua cultura. Ou seja, o conjunto de crenças, valores, sonhos, aspirações e dificuldades que o move ou paralisa ao longo da história.

Durante muitas décadas, o brasileiro relutou a se identificar com a sua história republicana, permeada por golpes militares, ditaduras, intervenções e mudanças bruscas nas instituições e breves períodos de democracia. A boa notícia é que essa história talvez esteja mudando, pois hoje o Brasil exibe ao mundo três décadas de exercício da democracia, sem rupturas. E isso jamais aconteceu antes.

É curioso observar que este momento de transformação coincide também com outro fenômeno novo na sociedade brasileira: _ o interesse pelo estudo da história do Brasil, o qual pode ser observado no mercado editorial de livros, que nunca vendeu tantas obras sobre o tema. Mas, por que a história se tornou um tema popular nos últimos anos?

Existem várias respostas, mas uma delas é que os brasileiros estão olhando o passado em busca de explicações para o país de hoje. Dessa maneira, procuram se aparelhar mais adequadamente para a construção do futuro e isso também é uma excelente notícia.

Uma sociedade que não estuda história não consegue entender a si própria porque desconhece suas raízes e as razões que a trouxeram até aqui. E, se não consegue entender a si mesma, provavelmente também não estará preparada para construir o futuro de forma organizada.

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([1]Ver artigos de jornais da época publicados por Manoel Ernesto de Campos Porto em “Apontamentos para a história republicana dos Estados Unidos do Brasil” (livro digital disponível em www.openlibrary.org ). 

([2]) OLIVEIRA LIMA, “Sept ans de réplubique au Brésil” (1889 / 1896). P.14

([3]) BELO, José Maria. “História da República: síntese de 65 anos da vida brasileira”, p. 24