D. Pedro e o Fim de Uma Era

O Que Revelou a Autópsia no Corpo de D. Pedro I? Qual Foi Seu Último Ato no Leito de Morte? Como é a Relação Social, Cultural e Econômica Entre Brasil e Portugal Hoje em Dia?

 

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D. Pedro I morreu nos braços da imperatriz Amélia às 14h30 de 24 de setembro de 1834, faltando duas semanas para completar 36 anos. A autópsia revelou um quadro devastador, pois a tuberculose tinha consumido todo o pulmão esquerdo que foi inundado por um líquido negro.

Apenas uma pequena porção da parte superior ainda funcionava. O coração e o fígado estavam hipertrofiados; ou seja, bem maiores do que o normal. Os rins apresentavam cor esbranquiçadas e o baço amolecido começava a se dissolver.

Os transtornos físicos agravaram-se na guerra contra o irmão e, durante o “Cerco do Porto”, ele começou a sentir cansaço, irregularidade na respiração, palpitações e sobressaltos ao acordar. Um edema nos pés indicava problemas circulatórios, embora D. Pedro julgava-se um homem robusto e resistente.

Porém, a verdade era outra, pois ele se alimentava mal, repousava pouquíssimo e gastava energias em excesso. Epilético desde a infância, sofria de deficiência renal e vomitava com frequência. Aventureiro e destemido, partira diversas costelas em quedas de cavalo e, além disso, as doenças venéreas eram recorrentes.

Diante desse quadro de saúde tão fragilizado, seus dias finais foram surpreendentes e, D. Pedro enfrentou a morte como viveu, mantendo um ritmo de intensa atividade. Nas primeiras semanas de setembro teve uma noite repleta de maus presságios, pois ele sonhou que morreria no dia 21. Contou isso à imperatriz e errou por apenas 72 horas.

Enquanto agonizava no palácio de Queluz – no mesmo leito em que a mãe, Carlota Joaquina, o dera à luz – promoveu reuniões com deputados, pediu providências, distribuiu conselhos e prestou homenagens a todos aqueles que julgava merecedores de sua gratidão. A seu pedido, os deputados decretaram a maioridade da rainha D. Maria II.

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No leito de morte, aconselhou a filha que concedesse liberdade a todos os presos políticos, sem exceção. Pediu também que, no seu enterro, não houvesse exéquias reais como mandava o protocolo, pois ele queria ser enterrado em caixão de madeira simples como um soldado. Em seguida, mandou chamar um soldado do Batalhão de Caçadores, quando a escolha recaiu sobre o soldado Manuel Pereira de 37 anos, nascido nos Açores. Recostado nas almofadas da cama, D. Pedro lançou o braço direito sobre o pescoço do companheiro de trincheiras e lhe sussurrou:

_ “Transmite aos teus camaradas este abraço em sinal de justa saudade que me acompanha neste momento, e do apreço em que sempre tive de relevantes serviços” ([1]). Com as pernas trêmulas, o soldado teve um choro convulsivo e foi consolado pelo próprio imperador moribundo.

Algumas semanas mais tarde, um menino de olhar tristonho e melancólico – o futuro imperador Pedro II do Brasil – recebeu duas cartas no Rio de Janeiro, trazendo notícias da morte do seu pai. A 1ª era da madrasta – Amélia – que dava detalhes da autópsia e, a segunda carta, era de José Bonifácio, parceiro do pai na Independência brasileira:

Hoje eu vou dar os pêsames pela irreparável perda de seu augusto pai, o meu amigo Pedro. Ele não morreu, só morrem os homens vulgares e não os heróis. Sua alma imortal vive no céu para fazer a felicidade futura do Brasil”.

Como um espírito luminoso de duas silhuetas, repartido na morte entre as duas pátrias em que nasceu, viveu, lutou e morreu, D. Pedro permanece até hoje como um laço de aproximação entre brasileiros e portugueses. Apesar das divergências do passado e das incertezas de um mundo em transformação, Brasil e Portugal têm conseguido manter e reforçar – com relativo sucesso – os seus vínculos ancestrais, pois somente na primeira metade do século passado mais de 1 milhão de portugueses migraram para o Brasil.

Seus descendentes diretos são estimados hoje em 25 milhões de pessoas, incluindo nomes famosos como as atrizes Marília Pêra e Fernanda Montenegro, o escrito Rubem Fonseca, as apresentadoras Ana Maria Braga, o médico Dráuzio Varela, as cantoras Fafá de Belém e Fernanda Abreu, o ex-jogador Zico, os empresários Abílio Diniz e Antônio Ermírio de Moraes.

A partir da década de 90, a onda migratória se inverteu e Portugal foi invadido por dentistas, publicitários, enfermeiros, manicures e administradores de empresas brasileiros, entre outros tantos profissionais que atualmente formam a maior comunidade estrangeira em território português, estimada em 120.000 pessoas.

A produção cultural brasileira é admirada e fartamente consumida em Portugal e, na economia, ocorre exatamente o oposto. Há cerca de 700 empresas portuguesas em território brasileiro, algumas líderes em setores estratégicos como transportes, comunicações, energia, produção de alimentos e comércio.

Esses números são uma prova de que, dois séculos depois, o sonho do Reino Unido alimentado por inúmeros brasileiros e portugueses até 1822 ainda se mantém vivo. É um reino menos formal do que o imaginado por D. João VI, D. Pedro I e José Bonifácio de Andrade e Silva, porém mais sólido e duradouro porque tem suas raízes plantadas na língua e na cultura que sempre funcionaram como a identidade entre esses dois povos.

 

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([1]) Alberto Pimentel. “A Corte de D. Pedro IV”, p 313 a 317

A Guerra Entre os Irmãos Portugueses

 

Qual Era o Perfil de D. Pedro I e de Seu Irmão D. Miguel? Por Que Houve Confronto Entre Liberais e Absolutistas em Portugal? Como se Desenrolou a Guerra Entre Ambos os Irmãos? Quem Saiu Vencedor?

 

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Quando eram adolescentes no Rio de Janeiro, os irmãos D. Pedro I e D. Miguel tinham como brincadeira favorita os jogos de guerra. O pintor Jean-Baptiste Debret conta que os príncipes “organizavam e comandavam exércitos formados pelos filhos dos escravos, que se enfrentavam na Quinta da Boa Vista – onde moravam – ou na Real Fazenda de Santa Cruz, onde passavam as férias. Em 1832, essa brincadeira se tornaria realidade, pois nos dois anos seguintes, os 2 irmãos protagonizaram a mais longa e cruel guerra civil da história de Portugal.

O confronto entre os liberais – sob o comando de D. Pedro – e os absolutistas liderados por D. Miguel, deixou milhares de mortos e abriu feridas que demoraram mais de um século para cicatrizar. Diferentes em tudo, os irmãos nasceram com os sinais trocados em relação aos pais, pois D. Pedro era o preferido de D. João e herdou a índole mãe – Carlota Joaquina – porque ele era ativo, irrequieto, aventureiro e namorador.

D. Miguel – protegido de Carlota – tinha o caráter do pai, pois ele era menos impulsivo que o irmão, apegado à etiqueta, à tradição e ao protocolo. Seus traços físicos alimentavam rumores de que tivesse inclinações homossexuais, suspeita que também acompanhara o pai no Brasil. ([1])

Outra diferença curiosa entre os dois é que D. Miguel, ao contrário de toda a descendência dos Bragança, não gostava de canja de galinha nem de franguinhos passados na manteiga, a iguaria favorita de D. Pedro e de seu pai (D. João). Seu prato predileto era a carne de caça. Até a sua filiação era colocada em dúvida, pois D. Miguel nasceu em 1802 quando o casamento dos pais já andava estremecido.

Rumores nunca comprovados, o apontavam como resultado de um romance entre Carlota Joaquina e D. Pedro José de Meneses Coutinho, de quem teria herdado os traços físicos e o gosto pela equitação. Diferentes na aparência, no caráter e nos gostos pessoais, os irmãos também divergiam na política, pois D. Pedro era maçom, admirador de Napoleão Bonaparte e leitor dos iluministas franceses. Ele foi um monarca liberal e modernizador das leis e dos costumes do seu tempo. Ao contrário, D. Miguel era conservador, avesso ao regime constitucional e adepto do absolutismo real.

Desde a morte de D. João VI em 1826, a crise política portuguesa tinha se agravado e, duas providências tomadas por D. Pedro ainda no Rio de Janeiro, dividiram Portugal ao meio. Tão logo soube das decisões de anistia aos presos políticos e a outorga de uma constituição liberal, o governador da cidade do Porto aderiu aos liberais e enviou uma delegação a Lisboa para exigir o imediato juramento da nova Constituição.

Os absolutistas reagiram com levantes militares em várias cidades e, esperançoso de uma solução pacífica, D. Pedro nomeou o irmão regente de Portugal impondo duas condições: _ D. Miguel deveria jurar a nova Constituição e se casar com a sobrinha e legítima herdeira do trono, Maria da Glória, que se tornaria a rainha de fato quando atingisse a maioridade.

Aparentando aceitar as exigências do irmão, D. Miguel deixou o exílio em Viena e desembarcou em Lisboa no dia 22 de fevereiro de 1828, sendo recebido em triunfo pelos absolutistas. Na condição de regente, dissolveu câmaras, demitiu o ministério, proibiu a execução do hino constitucional, afastou os governadores liberais e convocou as cortes para decidir quem assumiria o trono no lugar de D. João VI. E, em julho de 1828, ele próprio foi declarado legítimo rei.

Entronizado com o nome de D. Miguel I, o novo rei tinha o apoio da nobreza, cujos interesses eram ameaçados pelos liberais e da Igreja Católica, que o via como a salvação contra as sementes anticlericais plantadas pela Revolução Francesa. Nos meses seguintes à aclamação de D. Miguel, o clima de terror se instalou entre os portugueses e, em março de 1829, havia 23.190 pessoas na prisão. Outras 40.790 tinham emigrado para a América ou países vizinhos. Forcas foram erguidas para executar os adversários e estima-se que 1.122 opositores tenham sido assassinados.

Incapazes de resistir à onda absolutista, o general Saldanha e os demais chefes liberais do Porto fugiram para a Inglaterra e a Espanha, de onde começariam a tramar a derrubada do novo rei. Em julho de 1828, uma revolta liberal irrompeu na Ilha Terceira – nos Açores – que se converteria em santuário de resistência contra o absolutismo. Para lá se transferiram os líderes refugiados na Inglaterra.

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Os acontecimentos em Portugal reacenderam em D. Pedro I – já impopular e desprestigiado no Brasil – a conhecida atração pelos grandes desafios. Aos 23 anos havia se tornado o herói do novo mundo ao proclamar a Independência. Agora, era sua terra natal que o atraía e fascinava. A causa oferecia oportunidades de glória e a guerra contra D. Miguel seria o seu último ato como homem de duas pátrias. Pela causa de sua filha – Maria da Glória – D. Pedro gastaria os últimos três anos de sua vida.

Em meados de 1828, ainda sem saber do golpe encabeçado pelo irmão, D. Pedro decidiu enviar Maria da Glória para Viena, onde ficaria aos cuidados do avô – Francisco I – até a época do casamento com o tio. A princesa zarpou do Rio de Janeiro sob a proteção do Marquês de Barbacena, até essa época ainda um fiel aliado do imperador brasileiro.

Ao chegar a Gibraltar, Barbacena tomou conhecimento das notícias em Portugal e decidiu mudar os planos. Desconfiado de um apoio do governo austríaco a D. Miguel ele levou Maria da Glória para a Inglaterra e, depois de 6 meses, devolveu-a ao pai no Rio de Janeiro.

Depois de abdicar o trono brasileiro em 1831, D. Pedro assumiu o título de Duque de Bragança e desembarcou na Europa em busca de apoio para a guerra contra o irmão. À primeira vista, o cenário lhe parecia favorável, pois na França, o novo rei liberal – Luís Filipe – era seu primo. A Inglaterra também passara por mudanças: o conservador Lord Wellington, herói da vitória contra Napoleão, fora substituído na chefia do ministério por Lord Grey, simpático à causa liberal.

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Ao cair, Wellington estava inclinado a reconhecer D. Miguel como legítimo governante de Portugal. O novo gabinete decidiu adiar a decisão e dar alguma chance aos opositores comandados por D. Pedro. O Duque de Bragança foi homenageado com deferência em Londres e em Paris, mas nenhum dos dois governos concordou em dar-lhe o suporte necessário, obrigando-o a iniciar a campanha contra seu irmão em condições precárias. Ao partir dos Açores em 27 de junho de 1832, comandava um exército que tinha em suas fileiras 2 futuros escritores e poetas famosos, mas cujas perspectivas de vitória pareciam remotas.

A tropa era composta de 7.500 voluntários e muitos deles sem treinamento militar, enquanto que o exército de D. Miguel somava uma força 10 vezes maior. Restou a D. Pedro gastar parte da fortuna que acumulou no Brasil e, ainda nos Açores, autorizou o saque de 12.000 libras esterlinas de sua conta no Banco Rothschild para financiar as despesas do exército.

Ao anoitecer de 7 de julho de 1832, as sentinelas miguelistas postadas na aldeia de pescadores do rio Douro flagraram na linha do horizonte as velas da esquadra liberal, que se aproximava da costa portuguesa. Tambores anunciaram a novidade a todos os moradores e, o local escolhido para desembarque, era uma praia de areia grossa batida, alguns quilômetros ao norte do Porto.

Para os moradores foram horas de tensão e medo, pois todos acreditavam que a 2ª cidade mais importante do país seria atacada pelos liberais e que o exército miguelista a defenderia até o último homem.

Curiosamente não foi o que aconteceu, pois os miguelistas evacuaram o Porto sem trocar tiros com a minguada força liberal que se aproximava. Isso permanece como o maior mistério da guerra civil portuguesa. Os oficiais de D. Miguel não apenas deixaram de proteger a cidade, como ali abandonaram milhares de armas e munições – incluindo 50 canhões. Se os absolutistas tivessem mantido suas posições, a derrota de D. Pedro estaria selada logo de início. Ao desembarcar, o exército liberal estava exausto e faminto, a artilharia não passava de um obus e 2 canhões, os quais eram puxados pelos próprios soldados.

Os historiadores levantaram três possíveis explicações para o comportamento dos absolutistas. Na primeira hipótese, teriam como objetivo isolar os liberais no Porto, transformando a cidade numa ratoeira, da qual só sairiam mortos. A 2ª estaria relacionada a supostas simpatias do principal comandante miguelista – o Visconde de Santa Marta – à causa de D. Pedro e, a terceira hipótese, seria a incompetência pura e simples, das quais os oficiais de D. Miguel dariam, renovadas provas ao longo da guerra.

Na falta de um cavalo, D. Pedro entro no Porto cavalgando um burro que um simpático morador providenciou no percurso entre a praia e a cidade. Era a sina que o acompanhava nos momentos de glória, pois tinha sido um animal como esse que fizera o Grito do Ipiranga, dez anos antes. As forças da praça Nova foram desmontadas, os presos libertados e o carrasco – odiado pela crueldade – foi executado a tiros de espingarda.

Porém, os moradores reagiram com um misto de alívio e apreensão. A cidade celebrava a chegada do exército liberal, mas sabia que o futuro era incerto e perigoso. E os temores logo se confirmaram, pois o que parecia um passeio, se transformou rapidamente em pesadelo. As forças miguelistas abandonaram a cidade, mas não a guerra, pois após o primeiro recuo fecharam um arco em torno do Porto, impedindo a entrada de pessoas, armas, munições e alimentos.

Os liberais tinham de fato caído em uma ratoeira e, os meses seguintes foram de fome, doença e muito sacrifício. Esfomeados, soldados (e moradores) caçavam cães, gatos, burros, cavalos e roedores em terrenos baldios. A madeira das casas era usada para acender fogueiras a fim de amenizar o frio. Em março. O soldo da tropa já estava atrasado 9 meses e uma epidemia de cólera dizimou milhares de pessoas.

Em meio a tudo isso, D. Pedro se revelou um chefe militar dedicado e carismático que haveria de ficar para sempre na memória da cidade do Porto. Cabia ao rei-soldado cuidar da defesa da cidade e alimentar 60 mil habitantes. Nos dias chuvosos de inverno, percorria a cidade a pé, usando um capote militar até os pés, que o protegia do frio.

Incansável e hiperativo, envolvia-se em tudo, descendo às trincheiras, orientando os atiradores, supervisionando os armazéns, visitando hospitais e feridos e participando das reuniões para a tomada de decisões.

Às vezes, até se expunha a riscos desnecessários, pois uma vez uma bala disparada da margem oposta do rio Douro matou um oficial que estava a seu lado. Outra ricocheteou na parede da igreja e passou de raspão pela cabeça do imperador. Mas, apesar da situação aflitiva, ainda encontrava tempo para passear, se divertir e namorar. Ao partir para a guerra, havia deixado a imperatriz Amélia e as duas filhas – Maria da Glória e Maria Amélia – na França.

Mais tarde, incomodadas com o tratamento pouco cortês recebido das autoridades francesas, as três se transferiram para a Inglaterra. Distante da mulher 19 meses, envolveu-se com uma freira de 23 anos – Ana Augusta Peregrino Faleiro Toste – a qual deu à luz o último filho bastardo de D. Pedro, um menino que, batizado com o mesmo nome do futuro Pedro II do Brasil – Pedro de Alcântara – morreu cedo e foi sepultado com honras.

Iniciado em julho de 1832 o “Cerco do Porto” durou até o final do ano seguinte e, ao todo, os miguelistas fizeram 29 ataques, alguns repelidos de forma desesperada pelos liberais quando os adversários já ocupavam as ruas e praças da cidade. O total de mortos entre os liberais foi de 2.792 soldados, de acordo com o coronel Owen.

Ou seja, de cada 2 voluntários que haviam embarcado com D. Pedro nos Açores, um morreu. Porém, o exército miguelista teve baixas muito maiores, pois 23.004 homens morreram. Os civis foram cerca de 3 mil, dos quais mil atingidos pelo fogo dos canhões e fuzis e 2.000 de doenças.

Em meio à carnificina houve também episódios pitorescos e um deles foi o fiasco de um poderoso canhão doado a D. Miguel por João Paulo Cordeiro. Batizado de “mata-malhados”, em referência aos liberais que eram conhecidos por “malhados”, o canhão foi levado em procissão de Lisboa ao Porto durante várias semanas.

De tão pesado, eram necessárias 13 juntas de boi para arrastá-lo. Posicionado às margens do rio Douro com o cano apontado para o centro da cidade do Porto, logo no 1º tiro revelou-se uma decepção. O disparo era tão potente que estourava os tímpanos dos artilheiros.

Calibrá-lo exigia enorme esforço físico, a tal ponto que os militares desistiram de usar toda a sua capacidade de tiro e passaram a carrega-lo com apenas meia carga de pólvora. Ao fim de alguns dias, tornara-se tão inofensiva que virou motivo de piada entre os moradores do Porto.

O cerco foi rompido graças a uma rápida sequência de acontecimentos que mudaram os rumos da guerra em menos de 2 meses. Em Londres, o embaixador informal dos liberais (D. Pedro de Souza Holstein) conseguiu dos ingleses o apoio que D. Pedro buscava desde o começo.

Em 1º de junho de 1833, cinco navios de guerra a vapor britânicos, comandados pelo almirante Charles Napier, apareceram na foz do rio Douro trazendo peças de artilharia, 150 marinheiros e 322 soldados bem treinados. Três semanas depois, Napier desembarcou no Algarves (ao sul do território português) com 2.500 soldados, avançando rapidamente pelo Alentejo em direção a Lisboa, enquanto no mar ele obtinha uma vitória memorável ao destruir a esquadra de D. Miguel perto do cabo de São Vicente.

Em seguida, seus navios entraram no rio Tejo e bloquearam a capital que, sem resistência, foi ocupada no dia 24 de junho. No dia 28, D. Pedro deixou a cidade do Porto em direção à capital, onde foi recebido em triunfo. No entanto, a guerra em Portugal ainda estava longe de terminar, pois D. Miguel refugiou-se em Santarém e dali passou a comandar a resistência. A capitulação só veio em 26 de maio de 1834 e, pelos termos da rendição, D. Miguel pôde partir em segurança para o exílio, agora em caráter definitivo.

Mesmo depois da capitulação, os absolutistas imporiam um derradeiro sacrifício aos moradores da cidade do Porto, pois ao se retirarem da cidade – na noite de 16 de agosto de 1834 – os miguelistas incendiaram os armazéns da Companhia de Vinha do Alto Douro, onde estavam guardadas 17 mil pipas de vinho e 500 de aguardente. O objetivo era evitar que o estoque fosse vendido aos ingleses para financiar a reconstrução nacional planejada pelos liberais. O prejuízo de 2.500 contos de réis foi um duríssimo golpe nas já combalidas finanças nacionais.

Ao final da guerra o coronel Owen fez uma lista de vinte fatores que contribuíram para o triunfo liberal contra todas as adversidades. A vitória no começo da campanha era tão improvável que Owen batizou a sua lista de vinte milagres. A lista incluía a mudança de cenário político na Europa, a incompetência dos ministros e oficiais de D. Miguel, a energia sem paralelo dos habitantes do Porto e, além disso, “a milagrosa conservação da existência de D. Pedro, que durou o tempo necessário para a execução de seus planos, sob padecimento de uma moléstia mortal”.

Sua obra modernizadora das leis e dos costumes aprofundou-se ao fim da guerra contra o irmão. De um lado, agiu com rigor ao confiscar bens da Igreja Católica, extinguir o dízimo que sobrecarregava as atividades econômicas e, por fim, expulsar de Portugal autoridades eclesiásticas que haviam apoiado a causa absolutista.

De outro lado, impediu a vingança dos liberais que defendiam penas de morte para os derrotados e, em vez disso, concedeu anistia e permitiu que o irmão partisse para o exílio. Era seu traço característico – impor-se primeiro e contemporizar depois. Ou seja, “ele vencia para perdoar” ([2]).

Mas, o povo português não se conformava com o tratamento generoso dispensado aos homens que tantos sofrimentos haviam impostos ao país e, certa noite, ao chegar ao teatro em Lisboa, D. Pedro foi cercado pela multidão enfurecida, a qual atirava pedras em sua carruagem.

A plateia o recebeu com demorada vaia e, pálido, o imperador teve um acesso de tosse. Surpresa com a cena a multidão fez um profundo silêncio. D. Pedro guardou o lenço e, com a voz rouca, ordenou que o espetáculo seguisse. Era o prenúncio do fim de uma vida.

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([1]) Revista “Gosto”. José A. Dias Lopes, Ed 1, julho 2001. p. 54

([2]) PIMENTEL, Alberto. “A Corte de D. Pedro IV”. p. 263