O Trono Monarquista e a Primeira Constituição Brasileira

 

Quais Eram as Posições dos Monarquistas, dos Liberais, Republicanos, Federalistas, Abolicionistas e Escravagistas na Primeira Constituição Brasileira? Por Que o Imperador Teria de Se Submeter à Constituição?

 

A Primaira Constituição

 

O dia 12 de outubro de 1822 amanheceu chuvoso no Rio de Janeiro, mas nem a chuva nem as rajadas de vento conseguiram atrapalhar a primeira festa cívica do Brasil independente. A cidade foi acordada por uma salva de tiros de canhões, disparada das fortalezas na entrada da baía de Guanabara e dos navios ancorados no porto. Às nove horas chegaram ao Campo de Santana duas brigadas do exército e, uma delas, comandada pelo brigadeiro José Maria Pinto Peixoto – aquele que o príncipe mandou prender e soltar na viagem a Minas Gerais no começo do ano. O brigadeiro havia se tornado um dos mais fiéis aliados de D. Pedro.

Os moradores colocaram suas melhores roupas e saíram, a janelas para ver o espetáculo. No centro da praça foi erguido um palacete especialmente para a ocasião, ostentando os novos símbolos nacionais criados por decreto imperial. Em verde e amarelo, o escudo das armas e o distintivo combinavam elementos da heráldica portuguesa, como a esfera e a cruz da Ordem de Cisto.

  1. Pedro saiu do Palácio da Quinta da Boa Vista às 10 horas, acompanhado por D. Leopoldina e sua filha mais velha Maria da Glória, de 3 anos. O novo imperador completava 24 anos naquele dia, 15 dos quais havia passado no Brasil. Ao chegar ao Campo de Santana, D. Pedro foi recebido com gritos de vivas da multidão e, depois de subir no palacete, ouviu um longo discurso do presidente do Senado da Câmara – José Clemente Pereira – e aceitou o título de imperador.

O povo reagiu com entusiasmo, sacudindo lenços brancos e as pessoas se abraçavam e choravam e, segundo o pintor Jean-Baptiste Debret, o imperador também chorou. Terminada a cerimônia, Leopoldina e a filha saíram de carruagem e D. Pedro preferiu usufruir a nova condição de herói nacional. Caminhou até a Capela Imperial acompanhado da guarda de honra, juízes, funcionários públicos e pessoas do povo. Ao chegar à Igreja assistiu ao ritual de ação de graça e a etapa seguinte aconteceu no Paço Imperial, onde foi novamente recebido por uma salva de 101 disparos de canhões.

A festa se repetiu no dia 1º de dezembro, data da coroação de D. Pedro. O imperador apareceu sob uma túnica verde, calçando botas de cano longo e usando um manto azul em forma de poncho forrado de cetim e bordado em ouro. Esse dia também era o aniversário da real família de Bragança e foi nessa data – em 1640 – que o 1º rei da dinastia (D. João IV) chegou ao trono português. Aclamado e coroado o imperador, ainda pairavam muitas incertezas no horizonte do novo Brasil. O ambiente estava mais para confronto do que para celebrações.

Na prática, haveria duas guerras em andamento nos anos que se seguiram ao “Grito do Ipiranga” – uma externa e outra interna. A primeira, resultante do choque de interesses entre brasileiros e portugueses, iria se resolver nos campos de batalha e depois em negociações diplomáticas. A outra seria entre os próprios brasileiros em razão das diferenças de opinião a respeito da forma de organizar e conduzir o novo país.

Monarquistas e liberais, republicanos e federalistas, abolicionistas e escravagistas – entre outros grupos – se confrontariam pela primeira vez na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa. Ali apareceram os temas que dominaram a arena política do Primeiro Reinado. A Constituição seria a fiadora de um “novo pacto social”.

A agitação tinha como foco os jornais, pois no “Correio do Rio de Janeiro”, o jornalista João Soares Lisboa defendia “Pedro I sem II”. Ou seja, a monarquia seria uma solução transitória. Depois, viria a república. Convocada por D. Pedro em junho de 1822, a Constituinte só seria instalada 6 meses depois e, entre a convocação e a dissolução, foram 18 meses de tumulto, em que as paixões políticas se expressaram pela 1ª vez de forma desenfreada. As discussões giravam em torno do papel do imperador.

A Primeira Constituição (1)

Um grupo sustentava que a legitimidade e o poder do soberano eram delegados pela nação brasileira. O imperador teria de se submeter à Constituição, a ser elaborada pelos representantes do povo. Era o grupo dos democratas, ligados às correntes revolucionárias da maçonaria, como o advogado Joaquim Gonçalves Barbosa, o brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto e o juiz português José Clemente Pereira.

A segunda corrente – dos liberais moderados, do ministro José Bonifácio – defendia que a autoridade do imperador se sustentava por si mesma. Era, portanto, superior à da Constituinte e de todo o restante da sociedade brasileira. A primeira crise da Constituinte irrompeu antes da sua instalação e estava relacionada à chamada cláusula de juramento prévio. O documento propunha aclamar D. Pedro imperador de Brasil em 12 de outubro. Mas, este não seria um soberano qualquer, mas um “imperador constitucional”, o qual teria de jurar a Constituição antes ainda que ela fosse elaborada.

José Bonifácio usou toda sua influência como ministro e chefe da maçonaria para impedir que D. Pedro jurasse – às cegas – uma constituição que ainda não existia naquela época. José Bonifácio revelou-se no poder tão autoritário e conservador quanto o próprio D. Pedro, usando mão de ferro para silenciar adversários, ordenando prisões e deportações de portugueses suspeitos de conspirar contra a autoridade do imperador.

Ameaçados e perseguidos, os radicais abriram mão da cláusula de juramento prévio, mas logo surgiu uma segunda crise relacionada ao direito de veto do imperador. José Bonifácio defendia o veto absoluto, pelo qual D. Pedro poderia anular qualquer artigo da nova constituição. A ala de Clemente Pereira e Gonçalves Ledo discordava.

Um terceiro grupo – mais moderado – propunha o veto suspensivo, pelo qual o imperador poderia adiar por tempo indeterminado a aplicação do artigo com o qual não estivesse de acordo. Causa principal da dissolução da constituinte em novembro de 1823, essa divergência jamais seria superada. Os membros da constituinte eram escolhidos pelos mesmos critérios da eleição dos deputados às cortes de Lisboa. Os eleitores eram homens livres, com mais de 20 anos, um ano de residência, proprietários de terra e cabia a eles escolher um colégio eleitoral que, por sua vez, indicava os deputados de cada região.

Estes tinham de saber ler e escrever e, no caso dos nascidos em Portugal, tinham de residir pelo menos 12 anos no Brasil. Do total de 100 deputados eleitos, só 89 tomaram posse. Era a elite intelectual e política brasileira, composta de magistrados, clérigos, fazendeiros, senhores de engenho, altos funcionários, militares e professores. Muitos dos eleitos tinham representado o Brasil até um ano antes nas cortes de Lisboa, caso de Antônio Carlos de Andrada, que na constituinte dividiria os assuntos com os irmãos José Bonifácio e Martim Francisco.

A Constituinte funcionava 4 horas por dia, das 10 às 2 da tarde e, num país até então não habituado a propor, discutir e aprovar leis, os trabalhos demoravam a ganhar ritmo. Reclamações, queixas e súplicas choviam de todas a vastidão do Brasil – disse o historiador Otávio Tarquínio de Souza. Com tantos assuntos paralelos, só em 1º de setembro a assembleia conseguiu ler o projeto de constituição que deveria discutir. Não deu tempo, pois nos 2 meses que lhe restavam de vida foi engolfada por um turbilhão de crises.

O gabinete de José Bonifácio caiu em meados de julho e o motivo foi – aparentemente – banal. Luís Augusto May (do jornal Malagueta), que se opunha a D. Pedro, teve a casa invadida por um grupo que lhe aplicou uma surra. O atentado foi atribuído ao grupo de José Bonifácio e, mais tarde, descobriu-se que os responsáveis eram amigos de D. Pedro. Mesmo assim, o ministro seria demitido em 16 de julho. Na verdade, Bonifácio trombou com os poderosos interesses dos latifundiários ao sugerir à constituinte a proibição do tráfico negreiro e abolição gradual da escravidão no Brasil.

Bonifácio cometeu um erro de cálculo, pois acreditou que, uma vez silenciados os radicais republicanos e preservado o poder do imperador, conseguiria avançar nas reformas sociais de que o Brasil tanto necessitava para se considerar uma nação soberana. Dependente da mão de obra escrava, a aristocracia rural brasileira aceitaria qualquer coisa da constituinte, menos mudanças nas estruturas sociais que sustentava a economia brasileira e garantiam seus privilégios.

As horas que antecederam o fechamento da constituinte passaram para a História como “A Noite da Agonia”. No dia 11 de novembro, os deputados declararam-se em sessão permanente numa tentativa de resistir às pressões de D. Pedro e da tropa que cerava o edifício. Todos passaram a noite em claro e, às 11 horas da manhã seguinte, Francisco Vilela Barbosa – coronel do exército – entrou no recinto fardado e de espada em punho. Duas horas depois chegou um oficial com a ordem do imperador. A assembleia estava dissolvida porque “perjurara ao seu solene juramento de salvar o Brasil”, segundo a justificativa de D. Pedro.

Na declaração de dissolução da constituinte, D. Pedro prometeu dar ao país uma constituição “duplicadamente mais liberal do que o que a extinta Assembleia acabou de fazer”. E foi, de fato, o que aconteceu. A primeira Constituição brasileira outorgada pelo imperador no dia 25 de março de 1824, era uma das mais avançadas da época na proteção dos direitos civis. Uma de suas novidades era a liberdade de culto. O catolicismo mantinha-se como a religião oficial, mas pela 1ª vez na história brasileira, judeus, muçulmanos, budistas, protestantes e adeptos de outras crenças poderia professar livremente a sua fé.

No entanto, a maior de todas as novidades era o “poder moderador”. Exercido pelo imperador, constituía-se como um quarto poder, que se sobrepunha aos outros três poderes – executivo, legislativo e judiciário – e arbitrava eventuais divergências entre eles. Era uma tentativa de reconciliar a monarquia com liberdade, direitos civis e constituição. Na opinião de Benjamin Constant, caberia ao soberano mediar, balancear e restringir o choque entre os poderes. No caso do Brasil, entre as atribuições do imperador estavam a faculdade de nomear e demitir os ministros, dissolver a câmara dos deputados e convocar eleições parlamentares. Entre 1824 e 1889, D. Pedro I e D. Pedro II invocaram o poder moderador 12 vezes para dissolver a Câmara – em média uma a cada cinco anos.

 

 

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