O Que é o Nacionalismo? O Estado-Nação é um Fenômeno Natural ou Historicamente Contingente? Como o Nacionalismo se Expressa na Política Internacional e Como a Emergência do Estado-Nação Alterou a Ordem Internacional?
Certamente, já assistimos a um evento nacionalista ou participamos de algum, ou ainda testemunhamos uma pessoa ou um grupo atuarem guiados por um sentimento nacionalista sem se darem conta disso. Nossa vida em sociedade, como cidadãos de determinado país, está repleta de símbolos cívicos e de eventos que comemoram a nossa unidade como uma nação. São elementos associados tanto a uma ideologia quanto a um sentimento nacionalista os seguintes:
- a bandeira e o hino nacional;
- a história da constituição do Estado-nação – inclusive da delimitação das fronteiras nacionais;
- a celebração de heróis associados ao processo de independência;
- as datas comemorativas – como o dia da independência e da proclamação da república.
O caráter cotidiano das manifestações cívicas fica mais claro quando entramos em contato com cidadãos de outra nação. Os valores, símbolos e costumes, que podem parecer naturais e cotidianos, são relativizados e colocados em perspectiva quando temos a oportunidade de vivenciar manifestações nacionalistas que não as nossas.
Movimentos separatistas
A política internacional tem uma história que precede a emergência do nacionalismo e a formação do Estado-nação. Contudo, a história da política internacional foi substancialmente modificada com a consolidação de um sistema de Estados a partir do século XVIII, até que, por volta de 1970, passasse a ser largamente aceito que a identidade nacional e o Estado-nação formavam a base da ordem internacional.
Atualmente quando pensamos em manifestações do nacionalismo na política internacional, muitas vezes, remetemo-nos aos movimentos separatistas e contestadores de determinada estrutura de Estado. Pensar em nacionalismo na política internacional é pensar, necessariamente, em formas de conflito? Certamente, não. No entanto, também é verdade que, após as duas grandes guerras, o nacionalismo passou a ser associado às manifestações de extrema direita em regimes totalitários, como o fascismo e o nazismo, geralmente, xenófobos.
OBSERVAÇÃO: São exemplos de movimentos separatistas e contestadores o movimento pela separação do território basco na Espanha e da Irlanda do Norte – cuja luta armada é representada, respectivamente, pelo ETA (1959-presente) e pelo IRA – e os movimentos pela criação de um Estado para determinada nação, que reclama direitos sobre um território, como no caso da Palestina.
O silêncio produzido após a Segunda Guerra Mundial sobre o nacionalismo foi resultado de o próprio nacionalismo ter sido apontado como o principal responsável pelos grandes conflitos do início do século. A rejeição ao nacionalismo – e ao princípio da autodeterminação nacional – ficou patente na divisão da Alemanha (1947) e da Coreia (1945). No entanto, esse silêncio foi rapidamente quebrado pelos movimentos de descolonização na África e na Ásia, ao longo da segunda metade do século XX.
Na medida em que Estados-nações europeus com valores nacionalistas estenderam a sua dominação a outras partes do mundo, sobretudo na forma de dominação ou conflito imperialista, as sociedades sob o seu domínio foram impelidas a utilizar a ideia nacionalista em prol dos movimentos de libertação. Portanto, o imperialismo criou as bases para a difusão de ideias de autodeterminação que, posteriormente, viriam a justificar as lutas por independência dos antigos colonizadores.
Conflitos nacionalistas
A compreensão de que o nacionalismo, na política internacional, está associado ao conflito não ocorre somente devido à longa história contemporânea de libertação nacional da Palestina e do seu conflito com Israel, por exemplo. Essa compreensão existe pelo fato de o fim da Guerra Fria ter testemunhado focos de conflito nacionalistas que não se restringiam a países do Terceiro Mundo.
De fato, a década de 1990 assistiu a formas de conflitos nacionalistas que, dadas as suas intensidade e repercussão internacional, associaram o uso atual do conceito a uma situação de conflito e instabilidade internacional. Contudo devemos notar que, por muito tempo, o contrário foi verdadeiro – o nacionalismo foi fonte de estabilidade na política internacional.
Formação da Estrutura de Estados
O desenvolvimento de uma ordem vestfaliana de Estados soberanos a partir do século XVII foi, progressivamente, consolidando um sistema de Estados que, como afirma Weber, tem poder e autoridade sobre um território delimitado e sobre a sociedade que ocupa esse território.
Ao contrário do que muitas vezes se supõe, a formação da estrutura dos Estados na Europa não ocorreu de modo concomitante ao desenvolvimento da ideia de nação. Essa formação ocorreu de forma tardia, produzindo o fenômeno do Estado-nação.
Nacionalismo
Geralmente, é consensual demarcar a década de 1750 como o período a partir do qual o nacionalismo se torna um componente relevante da política internacional. Nessa época, também podemos identificar o primeiro conflito entre Estados que emprega o nacionalismo e que tem dimensões globais: a guerra entre Inglaterra e França em meados do século XVIII, entre 1750 e 1815.
A emergência do componente nacional do Estado e da ideia de nacionalismo a partir do século XVIII “nacionalizou” esse sistema de Estados e esse modelo de organização territorial. Isso ocorreu quando a figura moderna do Estado-nação passou, por sua vez, a ser exportada para além da Europa, a partir do século XIX, em dinâmicas de dominação externa.
A) Estado-Nação – Historicamente, o nacionalismo forneceu a base para a difusão global de Estados-nações. Durante o final do século XIX e ao longo do século XX, o Estado-nação foi identificado como: (1) o símbolo da modernidade; (2) a estrutura de organização político-social indispensável para a modernização e a aquisição dos benefícios do progresso.
Dessa forma, muitos líderes do movimento anticolonial justificavam a sua luta pela autodeterminação. Pela expansão, por meio da dominação e do modelo de sucesso, o Estado-nação tornou-se a unidade fundamental da ordem internacional.
B) Definição de Nacionalismo – O nacionalismo pode ser definido como uma ideia de origem europeia segundo a qual o mundo é dividido em nações que fornecem o foco principal de identidade e lealdade política. Tais nações, por sua vez, dependem, para a sua existência e afirmação, da possibilidade de autodeterminação nacional.
Nesse sentido, o nacionalismo pode ser entendido como uma ideologia ou um sentimento segundo o qual toda nação deveria possuir o seu próprio Estado ou, ao menos, alguma forma de autodeterminação territorial. A nação pode coincidir com o Estado. Isso, todavia, nem sempre ocorre e deve, portanto, ser tratado como uma contingência histórica, e não como parte da definição conceitual de nacionalismo. Existem:
- nações sem Estados – é o que ocorre na Palestina, além dos casos dos ciganos e, por muito tempo, dos judeus;
- nações que pertencem a mais de um Estado – por exemplo, a nação Tutsi, que vive em Ruanda, no Congo e em Burundi – e
- Estados multinacionais – por exemplo, o Canadá, a Índia, a Rússia e a África do Sul.
C) Conceito de Nação – É praticamente impossível falar de nacionalismo sem trazer à tona um conceito a ele associado, o de nação. Nação é um conceito que pode ser definido de diversas formas e que, muitas vezes, é tratado, equivocadamente, como sinônimo de Estado. Isso ocorre porque, até meados do século XX, era comum utilizar os dois termos para se referir à mesma coisa no âmbito internacional – Estados soberanos capazes de participar de um conflito armado e de implementar a sua própria política externa.
Max Weber define o Estado como uma organização territorial que exerce controle legítimo sobre um território definido, de forma que não seja ameaçada, internamente, por competição de poder, nem, externamente, por intervenção. Já a nação é definida por Weber como uma comunidade de sentimento que se manifestaria, adequadamente, em um Estado próprio e, portanto, tende a produzir um Estado próprio. Podemos atualizar a definição de Weber para que ela inclua também comunidades autodefinidas que buscam autonomia dentro da estrutura de um Estado.
D) Formação do Nacionalismo – Além da distinção entre Estado e nação, e da íntima relação entre nação e nacionalismo, há algumas questões que dividem estudiosos do tema acerca da formação do nacionalismo. Vejamos:
- O nacionalismo depende da prévia existência de nações?
- Nações são um fenômeno exclusivamente moderno, isto é, datam do século XVIII, ou podem remeter a épocas mais remotas? O Egito antigo, por exemplo, era uma nação? Os celtas podem ser considerados uma nação?
- Que fatores devemos privilegiar para explicar o comportamento nacionalista?
- Qual é o peso desempenhado por fatores domésticos – tais como linguagem e religião compartilhadas – e por fatores externos – como ameaças externas ou apoio de Estados mais poderosos, o que ocorreu na criação do Sudão do Sul em 2011 – na formação de uma nação e do sentimento ou ideologia nacionalistas?
E) Entendimento do Nacionalismo – O nacionalismo pode ser entendido de três maneiras: (a) como ideologia; (b) como sentimento, quando informa o senso de identidade das pessoas. (c) como forma de política, quando é incorporado por um movimento a fim de atingir metas específicas. Em termos de categorias conceituais, há dois tipos de ideologias nacionalistas:
E1) Nacionalismo Cívico: ocorre quando o pertencimento a um Estado e o compartilhamento dos seus valores cívicos determinam a manifestação da sua nacionalidade. Um bom exemplo é o dos Estados Unidos.
Apesar de receberem milhares de imigrantes de várias partes do mundo desde o século XIX, os norte-americanos conseguiram estimular a formação de uma nação homogênea por meio da educação em massa e dos incentivos para que os novos cidadãos compartilhassem dos símbolos e das manifestações cívicas. Há numerosas comunidades de irlandeses, italianos e chineses, por exemplo, que não deixam de se autodenominar, primeiramente, como norte-americanos.
E2) Nacionalismo Étnico: ocorre quando o pertencimento a um grupo específico, que compartilha raízes históricas comuns e outras características – religião, idioma –, é o principal elemento a definir a sua nacionalidade.
Nesse caso, a nação, muitas vezes, pode ter precedido o Estado – como no caso do Estado de Israel. É também comum ter havido Estados multinacionais, ou seja, compostos de diversas nações, como o Império Austro-Húngaro.